Durante muito tempo, evitei aquela dor como quem atravessa a rua ao ver um conhecido que não quer conversar. Ela estava ali, na calçada da alma, me olhando calada. E eu... fingia pressa, ocupação, fé.
Mas a dor é insistente. Não grita, não arromba, mas também não vai embora só porque você virou o rosto. Um dia, ela entrou. Sem pedir licença. Sentou no meio da sala da minha alma e cruzou as pernas como quem dizia:
"Vamos conversar."
No começo, eu quis expulsá-la. Peguei vassoura de reza, pano de esperança, até sarcasmo eu usei. Mas ela ficou. E foi ficando... Até que um dia, já cansada de lutar contra o que não passava, eu parei. Olhei pra ela. E, pela primeira vez, não vi uma inimiga. Vi um espelho.
A dor me mostrou o quanto eu aguento. Me lembrou de que eu não endureci, mesmo quando a vida quis me congelar por dentro. Eu senti raiva, sim. Chorei até soluçar. Mas não desejei o mal, não revidei com veneno, não me tornei aquilo que me feriu.
E foi aí que ela perdeu força.
Não porque sumiu. Mas porque perdeu o poder de me governar.
Hoje, ela ainda vem às vezes, me cutuca, me observa...
Mas eu sorrio.
Não porque não dói.
Mas porque eu sobrevivi inteira.
E o mais bonito de tudo: agora sei que posso sentir... sem me afogar.
Posso lembrar... sem reviver.
E posso até agradecer...
Porque, no fundo, foi ela que me ensinou a amar sem ilusões e a me perdoar com profundidade.
A dor ainda mora aqui.
Mas agora, ela sabe:
quem mora em mim é maior que ela.
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